Por múltiplos auto-governos instituintes
Ao pensar, de maneira corriqueira, qualquer cultura, a primeira coisa que vêm à mente é a pergunta: qual o sentido espiritual que constitui sua base? Pois sabemos que essa situação fundamenta todo o resto. Façamos um experimento de pensamento. Imaginemos o que esse conjunto de fronteiras chamado Brasil seria sem a cultura luso-cristã. Como seriam as instituições sociais, as administrativas e as morais? Como seriam nossos tipos de habitação? As roupas? A culinária? Os meios de transporte? Qual ou quais línguas estaríamos falando? Como seria nossa arte? Enfim, como estaríamos sem o processo continuado de transplantação de cultura?
Tenhamos a certeza de que esse experimento proposto é impossível! Pelo simples fato de que o domínio luso-cristão jamais deixou se influenciar pela participação indígena ou negra. Já do contrário, quanta coisa do catolicismo há nas práticas religiosas dos/as escravos/as-descendentes e dos/as indígenas sobreviventes? Quanto há implantado da prática portuguesa, e também ibérica, na organização de nosso trabalho? Porém, essa impossibilidade pode ser trocada pela possibilidade de escolhermos qual o futuro que gostaríamos viver em nosso presente.
Estamos em um momento histórico onde a descolonização é uma necessidade de sobrevivência. A promessa da felicidade feita pelo comunismo faliu. A utopia do capitalismo em tornar todos/as proprietários/as de porções do paraíso fracassa descaradamente. Descolonizar não significa derramar sangue em mais uma guerra sangrenta. Descolonizar significa insurgir contra o simbólico que visa hegemonizar-se. É insurgir contra o domínio colonial que impõe a assimilação absoluta. É dizer não à incorporação obrigatória à uma vida nacional com realizações previamente definidas.
Se somos incorporados como mão-de-obra ou produtores especializados, que nossa raíz indígena não abandone seu modo de relação com o trabalho. Enquanto indígenas exijamos revisão do Estatuto do Índio (lei 6001 de 19 de dezembro de 1973) pois, quem foi que disse que é de nosso desejo estarmos em via de integração? Desejamos a autonomia. Se há políticas públicas para integrarmos na vida social brasileira, após gerações inteiras terem sido reduzidas ao cativeiro, que nossa raíz africana se resitue em liberdade e cultura em pleno desenvolvimento - situação perdida após o século XV com as invasões européias. Enquanto afro-brasileiros exijamos muito mais do que sistemas de cotas; exijamos a auto-determinação.
Que as diversas etnias e culturas encerradas nessas fronteiras chamadas Brasil, façam-se ouvir enquanto auto-governos instituintes.
Nossas saudações libertárias aos povos não-lineares.
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* foto: resistência indígena em Brasília
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