Dinâmica Não-linear dos Povos

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Sociedade M82 de Habilidades e Saberes Político-culturais, criada no Instituto Autonomia para: 1). apoiar a autodeterminação, a autonomia e a liberdades de povos em movimento, como refugiados, (i)migrantes, moradores de rua e nações sem Estado e povos nômades; 2). promover e fortalecer princípios e direitos humanitários universalizados voluntariamente pela reciprocidade entre os povos; 3). capacitar em tecnologias alternativas e emancipatórias.

domingo, 4 de abril de 2010

Brasil, um país de todos?

A questão que mais preocupa o Brasil é a fundiária. Pois ela envolve a principal razão de ser de qualquer Estado-Nação: o uso dos recursos naturais do solo e do subsolo em prol do progresso econômico. Esse argumento adquire poder quando lhe é associado a esperança de que o Brasil é um país que tem tudo para dar certo. E esse "tudo" significa exclusivamente riqueza natural e riqueza especulativa. Assim qualquer situação que ameace este uso e esta especulação logo é enquadrada como perigo à segurança social. Segurança esta que visa a perpetuação da ilusão de que “a total extensão do território nacional está diretamente ligada ao interesse da sociedade brasileira”. Pois bem, por que seria isso uma ilusão? Simples, tudo aquilo que é contrário ao uso e à especulação de apenas um setor da sociedade é considerado ameaçador ao "progresso econômico brasileiro" de toda a sociedade. O que significa que o interesse de apenas uma parte é propagandeado como se fosse o de todos os setores sociais. Propaganda para criar a noção de que o Brasil é um todo homogêneo. No entanto o que vemos na prática é algo parecido com o que acontece no livro de George Orwell, “A Revolução dos Bichos”: “todos são iguais, mas há alguns que são mais iguais do que os outros”. Deste modo, assim que fazemos uma pequena lista do que ameaça a "segurança social" fica claro - e até mesmo podemos nomear - quem integra o setor da sociedade  que se pretende “mais iguais do que os outros”. Façamos então um pequeno exercício: esbocemos uma primeira lista simplificada de “ameaças” seguida por uma breve genealogia fundiária brasileira.

1. MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra): é dito que nos anos de 1976 a 1978, João Pedro Stédile (coordenador nacional do MST criado em 1984) se encontrava com Francisco Julião (coordenador nacional das Ligas Camponesas criada pelo PCB nos anos 1940) no México, na cidade de Cuernavaca, com o intuito de dar sequência à mobilização da população rural para uma reforma agrária, a organizando e a melhor preparando para fins de formação de grupos de pressão mais efetivos. A discussão de reivindicações camponesas não era uma novidade, ou mesmo uma invenção arbitrária nascida em algum outro lugar do planeta, ela já vinha acontecendo dentro das organizações, pequenas e já existentes, de plantadores e foreiros no Brasil. Desse modo, nossa preocupação genealógica é: quando que essas reivindicações nascidas em solo brasileiro tornam-se ameaçadoras? E para quem são dirigidas essas ditas ameaças?  Porque a tentativa desse tipo de organização fez com que, aquele que se organizasse fosse separado do todo social? Dica: em 25 de março de 1922, da convergência de movimentos sindicais e operários, e da inspiração pelo triunfo da revolução comunista da ex-URSS (1917), é fundado o primeiro Partido Comunista do Brasil – o comunismo como uma versão moderna da “bruxa”, para descendentes-caçadores de bruxas e outros inquisidores.
 
2. Indígenas: à proporção em que a expansão e ocupação de povoamento no Brasil, foi se tornando o mito do milagre da unidade brasileira, foi com a figura do General Rondon (descendente de indígenas) que se atinge o ápice do projeto de incorporação forçada das populações autóctones à "vida nacional". Criou-se o Serviço de Proteção aos Índios, onde na data posterior de 19 de dezembro de 1973, através da Lei nº 6.001 é aprovado o Estatuto do Índio fundando a FUNAI.  Porém, este projeto governamental não contava com a possibilidade de que indígenas não quisessem ser integrados. E mais! Que ao invés de tornarem-se luso-cristãos, indígenas decidissem: a) resgatar, preservar e seguir transformando voluntariamente seu modo tradicional de vida, assim livremente tomando decisões acerca de seus destinos, sem intermediações e tutelamentos de instituições administrativas, sociais e morais alheias; b) resgatar a gestão de toda extensão de seus respectivos territórios e ainda reconquistar a possibilidade de aculturação recíproca própria do intercâmbio tribal ou com outro tipo de agrupamento humano. Em outras palavras: reconquistar a situação originária de criação de novas etnias.

3. Quilombolas: a população negra tinha uma condição na África completamente distinta da condição aqui no Brasil. Na África todo o manancial de cultura podia ser explorado. Lá as populações eram artífices, podiam desenvolver sua agricultura, sua criação e domesticação de animais, suas técnicas de mineração, enfim todo seu potencial cultural podia ser realizado. Sob o regime escravagista cuja origem data do século XV, onde houve o primeiro contato dos povos africanos com o europeu, essa condição muda completamente. Ainda mais radicalizado com o "descobrimento" da América. O pleno desenvolvimento cultural foi substituído por guerras continuadas, caça ao homem africano e a aniquilação de todos aqueles que escapavam do cativeiro. No Brasil, os povos africanos desterrados passam à condição de escravo negro. Isolados de seus antigos grupos familiares, tribos ou povoados, eram misturados desde os portos, entre os navios negreiros e depois distribuídos por toda extensão do território brasileiro. Todos aqueles que conseguiam escapar da segregação, da estagnação e da decadência cultural, se aquilombava. Assim, as terras que compunham algum quilombo tornava-se o território de retomada da condição nasciente do potencial cultural. Tornavam-se zonas livres do domínio colonial dos povos europeus.

4. Ecologistas: depois das grandes potências atingirem seu ápice civilizatório, destruindo tudo o que era verde à sua volta, envenenando a atmosfera e alterando de modo letal o meio ambiente, percebe-se que o ato predatório gerador do "progresso" está longe de cumprir a promessa de conforto, segurança, saúde e cultura. É sabido que apenas 30% da população terrestre gasta 80% dos recursos naturais do planeta. O que significa que, qualquer país em "ascensão" que consiga atingir o nível "civilizatório" desses 30% o planeta Terra é destruído. Ao se deparar com a necessidade de proteger o que ainda nos resta, determinados grupos de pressão emergem com os discursos: de que se está criando obstáculos impedindo obras públicas de infraestrutura (como, estradas, usinas hidroelétricas, etc.); de que a ecologia é um pretexto para mascarar interesses obscuros de grupos separatistas, ou de países que visam internacionalização de certos territórios nacionais cujo solo e sub-solo são riquíssimos, ou de "primitivistas românticos que desejam voltar aos tempos das cavernas".

Feita a lista partamos à breve genealogia fundiária correspondente:

Em 1500, chegam os portugueses, estes figuram como a base a que todos devem se adaptar ou se incorporar. Seu conteúdo espiritual é o cristianismo desde a conversão do rei visigodo Recaredeo no século VI. Desde aí foram os missionários um dos principais meios de expansão cultural. Meios propiciados pela navegação marítima onde portugueses podiam levar sua cultura à Ásia, à África e à América. O que decorre a situação de que a herança cultural fundamental do Brasil é propriamente a luso-cristã. Com a colonização os primeiros a terem preferência na propriedade de terras foram os fidalgos e os militares. Depois, sequencialmente, era concedida terras a sacerdotes, degredados, criminosos fugitivos, lavradores e artesãos agregados. Somente no século XVIII, com a completa integração do território brasileiro é que houve a abertura dos portos do Brasil ao comércio internacional. Com ela vem o incentivo da colonização de outros povos. Era dever do colono que aqui quisesse se estabelecer, ser católico. Assim se declarando tinha-se o direito a um lote de terra, a animais, sementes e víveres. E ainda o governo brasileiro dava um auxílio de 160 réis por dia no primeiro ano e metade disso no segundo. Foram suíços e alemães os primeiros a se beneficiarem dessa lei. Isso ocorre no período entre 1808 a 1850. Período este que podemos nomear de reforma agrária europeia realizada fora da Europa. Após isso ocorre uma segunda fase de imigração, com o declínio do tráfico de escravos por razões econômicas, há um incentivo do Imperador Dom Pedro II em criar indústrias e construir estradas de ferro. Aqui com pequenas cotas são os italianos a se beneficiar das terras brasileiras. No entanto, de 1836 até 1877 o volume de concessões garantida a grupos cotistas de espanhóis, belgas, ingleses, suecos, franceses e austríacos. Só por volta de 1871 aparecem imigrantes russos e em 1876, poloneses. Os turcos-árabes e japoneses são mais tardios. Fazem parte da terceira fase de imigração iniciada em 1888. Nesta que se inicia é caracterizada pela concessão de terras para o estabelecimento de colônias, principalmente no sul do país. É somente com o movimento modernista e a "revolução de 30" que se começa a pensar a idéia de que indígenas, ex-escravos, seus descendentes e descendentes de uma mestiçassem de segunda classe (onde os filhos e as filhas não eram reconhecidas) poderiam ter algum tipo de direito à terra.

O que daqui nasce? O Brasil. Brasileiros enquanto um povo de povos. Todos brasileiros, porém, uns mais brasileiros que outros. Estes últimos que deliberadamente arrastam a discussão, com isso ganhando tempo na manutenção de privilégios – pois é só dar uma olhada no sobrenome das pessoas que ocupam postos de comando (formadores de opinião, intelectuais, empresários, fazendeiros, funcionários públicos e políticos) e logo podemos encontrar sua árvore genealógica dentro da história de concessão de terras no Brasil. Já o brasileiro, menos igual - excluídos da partilha de terra e não reconhecidos como parte legítima da sociedade -, resta se organizar em grupos para a reivindicação de direitos até então varridos para debaixo do tapete da história. Desse modo, quando se fala em demarcação de terra indígena, em reconhecer a existência de quilombos, em fazer a reforma agrária, ou mesmo em defender uma porção de terra para fins de preservação, tal discurso passa a ser considerado uma ameaça histórica contra a formação da nacionalidade brasileira. Isso por acusarem que quem está por trás dessas reivindicações ou são "comunistas à soldo da URSS", ou são "grupos guerrilheiros separatistas", ou são "racialistas que visam a guerra racial", ou são "traidores da pátria".

A partir daqui fiquemos atentos/as. Toda vez em que alguém levantar a questão de que há algum tipo de ameaça interna, verifiquemos sua árvore genealogia em sua formação histórica. Sejamos completamente indiferente às “verdades” baseadas em traços genéticos, como os defensores ou opositores da ideia de raças; sejamos totalmente avessos à xenofobia e ao nacionalismo. Pois a formação de um povo só nos é possível quando suas raízes são constituídas historicamente. Assim seguimos em insurgente resignificação permanente.

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