REFUGIADOS NO BRASIL: ausência de política pública para a assistência social
Essa situação foi evidenciada de maneira inegável pelos fatos que envolveram os palestinos refugiados que aqui, no Brasil, chegaram em setembro de 2007.
A questão que se coloca agora é: como ter uma vida digna no Brasil, na condição de refugiado, sendo hipossuficiente economicamente, estando em condição de vulnerabilidade física e psíquica, impossibilitado de inserção no mercado de trabalho, sem moradia e sem uma rede pessoal de solidariedade?
Em dois anos de vida no Brasil, muitos palestinos refugiados são testemunhas de que não há meios materiais de auto-subsistência com dignidade, quando não se tem um planejmaento de ações de integração local que envolva não só a solidariedade do povo, mas ações concretas e eficientes dos poderes públicos e das entidades não governamentais. A eles se juntam os colombianos e angolanos cuja voz ecoa no mesmo sentido.
A ausência de política pública e conseqüente ausência de regulamentação da assistência social a refugiados reflete o descaso governamental para com a pessoa humana, descumprindo um dos fundamentos básicos declarados no texto constitucional, qual seja o da dignidade da pessoa humana.
O postulado básico da Seguridade Social, qual seja: a “ assistência social será prestada a quem dela necessitar...." tem sido descumprido pelos órgãos constituídos.
A despeito do que impõe a vontade originária, no texto constitucional, em seu artigo 5º, de que todos
- “ são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”, as ações governamentais tem seguido caminho contrário, omitindo-se na obrigação de cumprir o objetivo de “construir uma sociedade livre, justa e solidária".
Muito embora a inegável supremacia da Constituição, a Lei Federal 8.742/95 (LOAS) seguindo a diretrizes do comando constitucional declara objetivamente, além de outros, os seguintes princípios da assistência social:
(...)
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, ...;
(...)
IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
Entretanto, seja no campo da assistência quanto da previdência social não há possibilidade de inclusão dos estrangeiros e de refugiados no Brasil.
Por esta razão, em 2004 o Ministério Público Federal – São Paulo promoveu a ação civil pública perante a 23ª Vara da Justiça Federal sob n. 2004.61.0021229-0 em face da União e do Instituto Nacional de Seguridade Social. O objeto desta ação foi o de estender a refugiados e estrangeiros o beneficio de assistência social previsto no art. 203 da Constituição Federal, em razão do indeferimento desse beneficio a estrangeiros e refugiados.
A ação foi julgada procedente, com antecipação dos efeitos da tutela, entretanto a mesquinhez institucional é tamanha que mesmo diante do comando constitucional e de uma determinação judicial que lhe impõe o dever de se conformar à supremacia da Constituição, a União e o INSS interpuseram recurso, e medida de suspensão de segurança que tramitam perante o TRF – 3ª Região, fazendo com que a questão fique sobrestada e os estrangeiros e refugiados que necessitam do auxílio fiquem desamparados. Até a presente data não houve julgamento perante o Tribunal, estando concluso ao relator desde 06.08.2007.
A desobediência ao comando constitucional revela a frágil estrutura do Estado Democrático de Direito que pelos agentes públicos pessoaliza o dever constitucional e o subjetiva em práticas abusivas e de violações quotidianas aos cidadãos sob sua jurisdição.
A legislação interna não prevê circunstâncias favoráveis para que a pessoa na condição de refúgio, na situação de vulnerabilidade econômica e social tenha acesso a moradia, auxílio doença ou beneficio social de outra natureza. As condições materiais também não são favoráveis, impondo a esses refugiados a situação de risco social.
Admitindo-se que o estrangeiro na condição de refugio chega ao país e aqui não possui uma rede de solidariedade, não conseguirá, certamente de início sobrepor as exigências legais da previdência, seja de carência contributiva seja de documentação para incluir-se como beneficiário.
Essa realidade tem sido duramente experimentada não só pelos cidadãos palestinos, cidadãos angolanos, congoleses e colombianos idosos e doentes que foram admitidos no Brasil na condição de refugiados, em festejada ação humanitária.
Se aqui no Brasil não encontram mais os riscos da guerra e da perseguição de opositores, acabam encontrando adversidades intransponíveis: o descaso e a mesquinhez institucional no tocante a proteção e assistência a refugiados, insistindo em práticas falidas e ações ineficientes que não atendem as demandas humanas desses grupos vulneráveis.
A sociedade e as instâncias responsáveis pela fiscalização e controle dos atos do poder público, em particular das omissões inconstitucionais e de violações a direitos, precisam agir e contribuir para a redefinição das práticas e das políticas de atenção social a refugiados no Brasil.
Sandra Nascimento
Consultora Autônoma em Direitos Humanos
Profª Universitária
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